quarta-feira, 12 de setembro de 2012

A PROMESSA

A crônica que transcrevo abaixo foi escrita pelo jornalista Alceu Feijó, e publicada no Jornal NH, no dia 3 de janeiro de 1986.
Uma lição de amor e respeito aos nossos amados pais, que tanto fizeram por nós!

A Promessa

Ao completar mais um ano e contemplar uma velha fotografia dos plantadores de trigo lá em São Francisco de Paula, vejo entre eles a presença de meu pai, Darci Feijó. Um turbilhão de coisas e emoções se abate sobre as minhas saudades e lembranças. Uma delas é que meu pai faleceu com 47 anos e eu já tenho 58, portanto, já vivi muito mais do que ele, no entanto, de tudo que me lembro, ele viveu uma eternidade, tão marcada que ficou sua passagem entre nós e seus amigos. Ele faleceu quando esperava um neto, morreu antes da Lenize nascer, ela que seria sua primeira neta, eu já tenho cinco, e acho que ele seria muito mais avô do que eu tenho sido, embora eu consiga ser  um avô integral durante 15 minutos quando os cinco estão reunidos comigo. Ele que me desculpe, mais de 15 minutos não dá pra aguentar o redemoinho  que representam. 
Um domingo me enchi de coragem e fui passear com o bando todo em São Francisco. De largada já começaram a brigar pelo lugar da frente e na volta estavam brigando pelo lugar de trás. Houve um momento em que o pandemônio era tão grande nos fundos da Caravan  que eu travei no meio da RS e bradei com os braços levantados:
- CHEGAAAAAAAA...
Mas são um encanto, logo serenaram e passaram o resto do passeio quietinhos e se espiando, na maior candura do mundo. Até hoje eles lembram da minha bronca.
 Mas eu também me lembro perfeitamente de uma tarde num quartinho escuro da Beneficência Portuguesa, onde meu pai se recuperava de uma operação e me abraçando, pediu balbuciando:
- Se me acontecer alguma coisa, cuida da tua mãe.
Anos mais tarde ele morria e minha mãe passou a morar comigo. Inicialmente, sem poder lhe oferecer muito de conforto e até mesmo de carinho, via o tempo passar e as palavras de meu pai bem vivas na minha consciência.  Resignada e pacienciosa, ela jamais pediu nada mais do que um pouco de atenção e a presença dos netos ao seu lado. 
Nas primeiras horas de 86, levei-a ao seu pequeno apartamento e vendo-a subir os degraus vacilante, procurando apoio nas paredes, não a acompanhei, postado que fiquei ao pé da escada, ouvindo seus passos indecisos sumirem escada acima, a porta bater revelando o som do seu refugio. Por alguns instantes, ainda fiquei imaginando o vazio da vida para os mais velhos. Soberanos e envolvidos com a saúde dos filhos, educação, preocupações de toda ordem, chegam a um momento da vida isolados num canto, mesmo com conforto, somente com suas lembranças. 
Quando consegui um apartamento para minha mãe, cheguei a falar com meu pai prestando conta do seu pedido. Pronto, sua mulher tem um apartamento só dela, cumpri minha obrigação (?). Cada vez que eu ia visitar minha mãe e era recebido com agradecimentos, eu sentia que faltava algo. Que não bastava só   o conforto, a tranquilidade, a privacidade de um pequeno apartamento. Foi só na madrugada do dia 1º de janeiro de 1986 que senti que o pedido feito pelo meu pai era bem maior do que uma cama e um prato de comida. Ouvindo os passos frágeis escada a cima e o bater da porta, passei a me questionar se tinha cumprido mesmo a promessa. 
Na mesma hora, multipliquei minha posição pela de milhões, milhões de filhos que levaram suas mães ao "seu cantinho" depois da festa de fim de ano, e concluí que somos todos um batalhão de ingratos incorrigíveis, amordaçados por um sistema de vida que não aceita as coisas de outra maneira. Chega ao ponto que os vizinhos dão mais atenção às "vovós" do apartamento ao lado, que os filhos. Honestamente, não vejo como mudar essa situação, embora sinta todas as emoções que o fato provoca. Vou ter que agradecer publicamente aos vizinhos do Santa Geovana pelas atenções que tem dispensado a minha mãe e ter outra conversa com meu pai e perguntar-lhe se cumpri com seu pedido. Tenho a impressão que ele irá me dirigir um meio sorriso e sacudir sua cabeça negativamente, concluindo com sua bondade:
- Está tudo bem, meu filho, eu e tua mãe estamos felizes...


Stella, mãe de Alceu Feijó,  faleceu dois anos após esta crônica.




Nenhum comentário:

Postar um comentário