quinta-feira, 14 de junho de 2012

Ao meu avô querido

Somos uma família privilegiada. 
Alceu Feijó
Descendemos de Carlos von Koseritz, grande jornalista, deputado provincial, atuante na sociedade riograndense de todas as formas possíveis, pai amoroso, esposo dedicado.
Dentre suas quatro filhas, destacou-se Carolina von Koseritz, seguidora dos passos do pai, contista, poetisa e tradutora e a maior aposta de Carlos.
Nós, que particularmente descendemos de Carolina,  temos em nossa árvore genealógica outro expoente do jornalismo do começo do século, colaborador de Caldas Júnior, e um jornalista controvertido e controverso: Mário de Sá.
Passados os anos, eis que surge, um professor de mecânica, ainda jovem, um apaixonado pela fotografia, vislumbrando, através das lentes, um outro mundo. Um mundo em movimento, através da estática. Um mundo que se cria, conforme o ângulo, que se persegue, que se inventa.
Sendo a fotografia a melhor amiga do jornalismo, o jovem uniu o talento herdado do avô Mário, da avó Carolina e do bisavô Carlos, pintando o mundo com novas cores. Ou com a falta delas. Imagens em preto e branco, que falam por si.
Meu avô, Alceu Mario de Sá Feijó, completa hoje 86 anos. É o repórter fotográfico há mais tempo em atividade no Rio Grande do Sul e aventurando-se pelo Facebook, como um jovem, descobrindo as maravilhas e facilidades deste contato tão rico e fácil.
Suas fotografias são, como outrora foram os textos de Carlos, Mário e Carolina, registros de sua época, dos costumes, da nossa História. Merecem um tratamento especial, merecem um olhar mais demorado. Cada foto tem uma história por trás, além das imagens, a vida do fotógrafo. 
Se na árvore da Genealogia, na qual me balanço em um dos galhos, restou na seiva alguma gota do talento de meus queridos parentes, peço que me deixem contar essa história, a História dos trás das Fotos. 
Meu avô merece, é devido à sociedade e nossa História estaria preservada.
Quem está comigo?

Novo Hamburgo em jogo contra o Grêmio, no antigo Estádio dos Taquarais, em 1948. Foto Alceu Feijó.


Menina negra observa a inauguração de uma escola estadual em Novo Hamburgo. Década de 60, foto Alceu Feijó.

quinta-feira, 7 de junho de 2012

Ao luar - Carolina von Koseritz

O conto a seguir foi retirado do periódico A Família, da redatora Josephina de Azevedo, de 1889, e encontrado no acervo digital da Biblioteca Nacional. Aproveito para parabenizar a BN por sua iniciativa, importante e preciosa, e espero que mais entidades digitalizem seus acervo, facilitando a pesquisa e o resgate da História de nosso país!
A Revista A Familia era um periódico editado e redigido por mulheres, algo realmente raro naquele tempo. Foi publicado de 1888 a 1894.
Carolina tinha 24 anos quando da publicação de seu conto.
Foi conservada a grafia da época.

Com vocês, o conto "AO LUAR", de Carolina von Koseritz.


                                                                        A FAMÍLIA
                                                       Redactora: Josephiana de Azevedo

ANNO I                         Côrte, 9 de novembro de 1889.                             NUM. 37          PAG. 3/4


                                                                                            AO LUAR


         Junto à tosca cerca, formada por uns paus desiguaes, entre as plantas selvagens de toda espécie, florece uma roseira silvestre. Suas brancas flores sobresahem entre a verdura de tons diversos que a cercam e a lua as ilumina com sua prateada luz.

         Ellas, as simples e modestas rosas silvestres, em nada se pareciam com as suas aristocráticas irmãs que com tanto orgulho se ostentam nos jardins e rivalisam entre si, querendo cada qual ser mais bella, almejando como suprema felicidade a escolha de algum noivo para serem oferecidas como mensageiras de amor, ou então, ornarem a fronte de alguma donzela, emprestando-lhe, por algumas horas o seu brilho. Não! Seus sonhos eram outros e não se pareciam com os da altiva Guanabara, da graciosa rosa Chá ou da rubra Senateur Réveil. A lua cada vez se tornava mais clara e seus pallidos raios espelhavam-se em profusão sobre a terra.
       Uma das  rosas brancas, a menos bella, inclinou sua haste, procurando ocultar-se entre as folhas verdes. As suas irmãs, porém, curvaram-se e em sua majestosa e suave linguagem perguntaram:
     - Porque te ocultas, porque foges a luz tão suave da lua, a essa luz tão benéfica para nós?   
     - Porque fujo dela? A! Não me interrogueis por piedade!....
     - Falla, deposita em nosso seio as tuas magoas. Não comprehendes que as dores silenciosas são muito mais cruéis? Porque te subtrahes a esta luz querida?
     - Não sabeis que essa luz que achaes tão suave tem o dom fatal de avivar as dores da nossa alma?
     - E soffres?....Confia-nos as tuas penas. 
     - Vou contar-vos a minha história d'hoje e que ella vos sirva de escudo contra vós mesma. Ouvi: "Sabeis que desbrochei ao romper d'alva e que vós outras quando os raios vivificadores vos decerravam as corollas a luz da tarde, já me encontrasteis no auge da existência. E já eu curtia saudades...
     Pois bem, minha irmã, quando assim abri o peito ao encanto da vida, o ar estava repleto de perfumes e doces murmúrios de amor, as folhas se agitavam alegremente, o sabiá cantava n'aquella larangeira em flor illuminada por um raio de sol.
     Lancei o olhar em torno de mim: insectos dourados brincavam na relva, um pirilampo jurava amor eterno a uma borboleta de tutilantes azas, um canário entoava um romance de amor aos pés de uma gaturamá que do galho superior ouvio com devaneo as endeixas do amante. Finalmente, no meio de todos esses jubilosos hynos de alegria, uma melancólica viuvinha lançava as notas plangentes de seu triste canto.
    Minha alma, que desabrochava sobre a terra só recebera impressões de felicidade e por isto acreditei que o mundo só me reservava prazeres.
     Junto a mim desabrochou uma dessas formosas açucena côr de rosa, silvestre como eu.            
    Contemplavamos tudo em volta de nós, em certo momento açucena chamou-me e mostrando-me um formoso beija-flor que longe nos observava:
    - Vês, dizia ella, como te contempla? Vês o afecto que brilha em seus olhos? Oh! Eil-o que voa e aproxima-se de nós!.....
     A açucena não acabara ainda de fallar, quando elle pousou junto de mim.
     Como era formoso! Cobriam-lhe o corpo pennas de mil matizes, uma côr de rubim, outras douradas, outras ainda verdes com relevos multicolores e como brilhavam seus olhos!....
     Saltitando aproximou-se mais e inclinnando a bella cabecinha que um raio de sol dourava, murmurou-me ao ouvido meigas palavras.
     Dizia-me que entre todas as rosas não havia outra que me preferisse, outra que fosse tão superior a todas as flores, disse tanta cousa ainda, que nem sei como contar-vos....
     Como era feliz, então, que idyllio divino se tornava a vida para mim. E os perfumes se tornavam mais fortes, as folhas se agitavam graciosas, os canticos soavam mais suaves.....
     Eis, porém, que alguém aproxima-se... meu formoso beija-for assusta-se e erguendo o vôo desaparece através das árvores.
     Passou-se o dia. Elle, o traidor, não tornou a voltar e eu esperando-o sempre, não desanimei até o momento em que uma abelha mensageira da minha amiga açucena veio dizer-me que a pessoa que a levara, a transplantara n'um grande jardim e que nesse jardim vira o infiel beija-flor aos pés de uma rosa Chá, jurando-lhe amal-a até morrer!"
     O que sofri então, jamais podereis imaginar. Eis porque a luz da lua, essa luz tão suave, faz-me soffrer, recordando-me minha dor tão recente. Ah! Felizmente sinto que vou morrer.....
     Adeus, não creiam nunca nos juramentos dos beija-flores. São tão infiéis.....
     E ao murmurar essas últimas palavras, a pobre rosinha reclinou tristemente a haste e uma a uma tombaram suas brancas pétalas!....

                                                                                                Carolina von Koseritz