quinta-feira, 20 de dezembro de 2012

O Natal dos Koseritz


"Mais uma vez se fez Natal e pela manhã já havia mandado a árvore de Natal para a chácara onde eu morava na Azenha.  Até “Knecht Ruprecht” já havia tido sua oportunidade de nos visitar no dia anterior e assim como antigamente meus irmãos ficavam na ansiosa expectativa, hoje eram minhas filhas que contavam as horas e não conseguiam conter sua ansiosa espera, que parecia não ter fim. Mesmo sabendo desde a mais tenra infância como era ver acesa a árvore e de como lhes traria gratas surpresas, a noite era muito aguardada. Claro que não podiam ir patinar, ir ao gelo, pois nossa casa quase ficava oculta debaixo do oleandro  em flor:  os canteiros estavam repletos de flores e rosas brancas e enchiam  o ar com seu suave perfume.
Estávamos no Brasil e o sol de dezembro derramava seus raios dourados sobre toda esta profusão de flores. O sabiá faz ouvir seu canto como que um hino de louvor por entre as folhas do jerivá e tudo parece respirar o ar de verão.
As crianças corriam pelo jardim a fim de matar o tempo de espera e espiavam curiosos quando o pai, à tardinha, chegou com o carro carregado de pacotes. E embrulho após embrulho era levado para dentro de casa. Ansiedade! Seus corações batiam forte como outrora batia o meu e os seus olhos brilhavam tais quais os meus haviam brilhado.
Oh! Maravilhosa alegria natalina, tu jamais terás fim! Primeiro a alegria de quem recebe depois daquele que presenteia!
Knecht Ruprecht
Enquanto isso o meu velho camarada Carl Petermann (que vem em todos os natais e que as crianças chamam de tio Ruperto, como que Knecht Ruprecht) eu e ele já havíamos enfeitado a árvore, colocado as luzes, espalhado os numerosos presentes e colocado o presépio ao pé do pinheiro. Muito lindo fica o pinheiro brasileiro festivamente vestido, mesmo que com agulhas bem mais agudas do que nosso pinheiro alemão e que precisa de luvas para ser enfeitado. Finalmente está tudo no seu devido lugar:
Cada uma das meninas encontra no seu lugar aquilo que mais desejava e várias outras surpresas. Nada faltava: nem nozes, nem bolo de mel, tão pouco “stollen”. É uma autêntica mesa de Natal alemã que espera anualmente pelas crianças e sua alegria também é verdadeiramente a alegria de Natal alemã.
Agora todas estão no quarto das crianças, sentadas juntas, com seus vestidinhos brancos e os loiros cabelos revoltos, com os pequenos corações palpitando de pura espera.
Ouve-se a sineta; todos correm em disparada rumo à porta fechada da sala de estar que agora se abre e a intensa luz da árvore de Natal é derramada sobre todos com seu brilho, brilho este que parece competir com o do olhar feliz das crianças. Isto dá aos pais um retorno mil vezes maior pelo seu amor e dedicação. 
 Pelas janelas abertas entra a morna e perfumada noite de verão e inunda  a sala onde as meninas e suas amiguinhas recém-chegadas correm alegremente de um presente para o outro, tagarelando sem parar e volta e meia indo até os pais para abraçá-los com bracinhos estendidos e beijos carinhosos de agradecimento.
Começa a crepitar em alguns galhos da araucária e lentamente é preciso ir apagando as velas, uma a uma, até que a sala é fechada e todos precisam se recolher. A pequena turma ainda fala sobre todas as maravilhas dos presentes recebidos e planejam brincadeiras para o dia seguinte.
No jardim, debaixo do caramanchão coberto de rosas-chá perfumadas, ainda fico sentado com meus amigos sorvendo “bowle” e fumando charuto, num alegre vai e vem de palavras. Naturalmente a conversa declina sobre o tema da alegria de Natal e chegamos à conclusão de que não é possível imaginar uma verdadeira vida familiar sem festa de Natal e que é preciso sentir pena dos povos que desconhecem a noite de Natal no verdadeiro espírito e costume alemão. Da mesma forma deveria haver também, por mais modesta que fosse , uma árvore de Natal em cada lar de tradição alemã porque a alegria natalina é uma recordação para toda a vida; significa o ponto alto da vida das crianças  e promove para os pais a mais rica e pura alegria.
                                              
Na manhã seguinte, enquanto as crianças ainda dormem e sonham com as alegrias da festa e apenas leves sinais anunciam um novo dia, silenciosamente e com todo cuidado levanta de seu leito um homem já no início do envelhecer e se dirige para  a sala ...
Aí está o inebriante aroma do Natal, de pinheiro, velas e stollen.
E os olhos do homem, por alguns instantes, ficam anuviados e úmidos. Ele volta no tempo e lembra  dos felizes natais na distante casa paterna.
O pai já descansa há tempo em fria sepultura. Solitárias vivem a mãe e a irmã que só encontram o calor do verdadeiro espírito de Natal na casa do irmão onde alegres crianças rodeiam o pinheiro.
Para mim a alegria do Natal renasceu aqui, no distante sul e eu agradeço ao destino que me conduziu por tormentas e  me levou até o porto seguro da família e da felicidade."

                                                                                    Carlos von Koseritz



(Texto auto biográfico, retirado do Koseritz VolksKalender, sem data)
                                                                             

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