"Mais uma vez se fez Natal e
pela manhã já havia mandado a árvore de Natal para a chácara onde eu morava na
Azenha. Até “Knecht Ruprecht” já havia
tido sua oportunidade de nos visitar no dia anterior e assim como antigamente
meus irmãos ficavam na ansiosa expectativa, hoje eram minhas filhas que contavam
as horas e não conseguiam conter sua ansiosa espera, que parecia não ter fim.
Mesmo sabendo desde a mais tenra infância como era ver acesa a árvore e de como
lhes traria gratas surpresas, a noite era muito aguardada. Claro que não podiam
ir patinar, ir ao gelo, pois nossa casa quase ficava oculta debaixo do
oleandro em flor: os canteiros estavam repletos de flores e
rosas brancas e enchiam o ar com seu
suave perfume.
Estávamos no Brasil e o sol
de dezembro derramava seus raios dourados sobre toda esta profusão de flores. O
sabiá faz ouvir seu canto como que um hino de louvor por entre as folhas do jerivá e tudo parece respirar o ar de verão.
As crianças corriam pelo
jardim a fim de matar o tempo de espera e espiavam curiosos quando o pai, à
tardinha, chegou com o carro carregado de pacotes. E embrulho após embrulho era
levado para dentro de casa. Ansiedade! Seus corações batiam forte como outrora
batia o meu e os seus olhos brilhavam tais quais os meus haviam brilhado.
Oh! Maravilhosa alegria
natalina, tu jamais terás fim! Primeiro a alegria de quem recebe depois daquele
que presenteia!
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Knecht Ruprecht |
Cada uma das meninas
encontra no seu lugar aquilo que mais desejava e várias outras surpresas. Nada
faltava: nem nozes, nem bolo de mel, tão pouco “stollen”. É uma autêntica mesa
de Natal alemã que espera anualmente pelas crianças e sua alegria também é
verdadeiramente a alegria de Natal alemã.
Agora todas estão no quarto
das crianças, sentadas juntas, com seus vestidinhos brancos e os loiros cabelos
revoltos, com os pequenos corações palpitando de pura espera.
Ouve-se a sineta; todos
correm em disparada rumo à porta fechada da sala de estar que agora se abre e a
intensa luz da árvore de Natal é derramada sobre todos com seu brilho, brilho
este que parece competir com o do olhar feliz das crianças. Isto dá aos pais um
retorno mil vezes maior pelo seu amor e dedicação.
Pelas janelas abertas entra
a morna e perfumada noite de verão e inunda a sala onde as meninas e suas amiguinhas
recém-chegadas correm alegremente de um presente para o outro, tagarelando sem
parar e volta e meia indo até os pais para abraçá-los com bracinhos estendidos
e beijos carinhosos de agradecimento.
Começa a crepitar em alguns
galhos da araucária e lentamente é preciso ir apagando as velas, uma a uma, até
que a sala é fechada e todos precisam se recolher. A pequena turma ainda fala
sobre todas as maravilhas dos presentes recebidos e planejam brincadeiras para
o dia seguinte.
No jardim, debaixo do
caramanchão coberto de rosas-chá perfumadas, ainda fico sentado com meus amigos
sorvendo “bowle” e fumando charuto, num alegre vai e vem de palavras.
Naturalmente a conversa declina sobre o tema da alegria de Natal e chegamos à
conclusão de que não é possível imaginar uma verdadeira vida familiar sem festa
de Natal e que é preciso sentir pena dos povos que desconhecem a noite de Natal
no verdadeiro espírito e costume alemão. Da mesma forma deveria haver também,
por mais modesta que fosse , uma árvore de Natal em cada lar de tradição alemã
porque a alegria natalina é uma recordação para toda a vida; significa o ponto
alto da vida das crianças e promove para
os pais a mais rica e pura alegria.
Na manhã seguinte, enquanto
as crianças ainda dormem e sonham com as alegrias da festa e apenas leves
sinais anunciam um novo dia, silenciosamente e com todo cuidado levanta de seu
leito um homem já no início do envelhecer e se dirige para a sala ...
Aí está o inebriante aroma
do Natal, de pinheiro, velas e stollen.
E os olhos do homem, por
alguns instantes, ficam anuviados e úmidos. Ele volta no tempo e lembra dos felizes natais na distante casa paterna.
O pai já descansa há tempo
em fria sepultura. Solitárias vivem a mãe e a irmã que só encontram o calor do
verdadeiro espírito de Natal na casa do irmão onde alegres crianças rodeiam o
pinheiro.
Para mim a alegria do Natal
renasceu aqui, no distante sul e eu agradeço ao destino que me conduziu por
tormentas e me levou até o porto seguro
da família e da felicidade."
Carlos von Koseritz
(Texto auto biográfico, retirado do Koseritz VolksKalender, sem data)